A vacinação é uma das intervenções de saúde pública com maior impacto na morbimortalidade de crianças. Garantir o acesso universal a vacinas essenciais até 2030 é uma meta dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Porém, a relutância em vacinar, definida como um estado de conflito sobre ou oposição em receber vacinas, pode comprometer os avanços já alcançados pela vacinação no mundo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece a relutância em vacinar como uma das 10 ameaças à saúde global. O objetivo geral dessa tese foi avaliar a presença da relutância em vacinar em países de baixa e média renda (PBMR). Para isso, foram conduzidos três estudos com os seguintes objetivos: (I) avaliar se o gradiente social, com maior cobertura vacinal observada entre os mais ricos comparado aos mais pobres, está se invertendo nos PBMR; (II) estimar o impacto cumulativo de mães receberem intervenções em saúde na vacinação de seus filhos e; (III) comparar a tendência temporal na cobertura vacinal com outros indicadores de saúde materna e do domicílio. Os dados utilizados foram de inquéritos populacionais conduzidos em PBMR, Demographic and Health Surveys e Multiple Indicator Cluster Surveys. Três desfechos foram avaliados: (I) cobertura vacinal completa (CVC), definida como crianças de 12 a 23 meses que receberam uma dose da vacina Bacille Calmette- Guérin (BCG), três doses da vacina contra difteria-pertussis-tétano (DPT), três doses da vacina contra poliomielite e uma dose da vacina contra sarampo; e (II) cobertura da vacina contra DPT, isto é, crianças de 12 a 23 meses que receberam três doses da vacina DPT e (III) cobertura da vacina contra sarampo, crianças de 12 a 23 meses que receberam uma dose da vacina contra sarampo. No primeiro artigo, 86 PBMR foram incluídos e observou-se um padrão pró-pobre na CVC em 20% dos países de renda média-alta, ou seja, maior cobertura vacinal entre os mais pobres. No segundo artigo, investigou-se o efeito de mães receberem cuidado pré-natal e pós-natal e de terem o parto com profissional qualificado na CVC de seus filhos em 86 PBMR. A cada intervenção recebida, a CVC aumentou de 9 a 16%, ou seja, no geral, crianças de mulheres que receberam as três intervenções têm maior cobertura vacinal comparado com quem recebeu duas ou menos intervenções. Ao estratificar este resultado por grupo de renda, observou-se nos países de renda média-alta menor efeito de múltiplas intervenções de saúde na mãe na CVC de seus filhos quando comparado com os demais países. No terceiro artigo, comparou-se a tendência temporal de indicadores de vacinação (DPT e sarampo) com indicadores de saúde materna (consultas de pré-natal e parto em instituição de saúde) e saúde do domicílio (saneamento básico melhorado e fontes melhoras de água para consumo). Nos 63 países incluídos, analisados juntos, observou-se aumento da cobertura para todos os indicadores, sendo que parto institucional teve o maior aumento e os indicadores de vacina o menor aumento. Nos países de renda média-alta, observou-se queda de 0,5 pontos percentuais ao ano na cobertura de sarampo enquanto os demais indicadores de saúde da mulher e do domicílio tiveram aumento de 0,2 a 0,8 pontos percentuais ao ano. Não foi possível medir relutância em vacinar diretamente, devido a limitação de dados das bases utilizadas. Mas, baseado na hipótese de equidade inversa, que declara que intervenções de saúde atingem primeiro os grupos mais ricos, em detrimento dos mais pobres, acredita-se que os achados desses estudos, sugerem algum nível de relutância em vacinar principalmente nos países de renda média-alta.