Nas últimas três décadas observou-se declínio da ocorrência de cárie dentária em crianças e jovens. Entretanto, essa diminuição se deu de forma desigual, com redução muito maior entre a população mais rica, de forma que a parcela mais pobre da população concentra hoje a maior parte da carga de doença. Apesar deste declínio, a cárie ainda é a doença crônica mais comum entre as crianças. Este declínio da cárie, ocorrido de forma não homogênea, reforçou disparidades socioeconômicas que têm sido relatadas em estudos de diversos países. Mesmo em países de alta renda, onde houve diminuição da prevalência de cárie em todas as classes sociais nos últimos 20 anos, as desigualdades em saúde bucal têm se ampliado. Entre os pré-escolares tal fato é mais marcante. Crianças mais pobres e cujas mães ou pais possuem menor escolaridade têm maior chance de apresentar cárie dentária. Neste contexto, os serviços de saúde bucal são importantes tanto no aconselhamento de cuidadores para práticas de prevenção de doenças, através da disseminação de informações sobre comportamentos e práticas favoráveis à saúde, como desempenham um importante papel na detecção precoce das doenças bucais e no restabelecimento da saúde bucal. Estudos para avaliar a utilização de serviços de saúde odontológicos entre pré-escolares são escassos e a maioria provém de países de alta renda. Com o objetivo de avaliar a utilização de serviços odontológicos entre pré-escolares e a existência de desigualdades socioeconômicas relacionadas à cárie dentária, um estudo foi realizado em uma amostra da Coorte de Nascimentos de Pelotas de 2004, entre setembro de 2009 e janeiro de 2010. Para conhecer a situação epidemiológica da população alvo é necessário o uso de índices que quantifiquem o estado de doença presente. Visto que existem várias alternativas sendo usadas na literatura, realizamos uma revisão sistemática dos índices de cárie dentária propostos, identificando suas indicações e limitações. Nossos resultados mostraram que a prevalência de utilização de serviço odontológico ao menos uma vez na vida, entre as crianças aos cinco anos de idade, foi de 37,0%. A média de superfícies cariadas (ceo-s) foi de 4,1 e entre o terço mais atingido essa média foi de 11,8. O componente cariado correspondeu a 94,0% do valor do ceo-s. Menos da metade das mães relataram ter recebido orientação sobre como prevenir cáries em crianças. Para a utilização de serviços de forma preventiva, além da renda e escolaridade da mãe, comportamentos como adesão a programas de saúde, uso regular de serviços odontológicos pela mãe e ajudar o filho na higiene bucal se mostraram preditores importantes. Para o uso de serviço odontológico relacionado à resolução de um problema, aspectos ligados à dor e pertencer ao tercil de maior experiência de cárie se mostraram associados. Vários indicadores de comportamentos da mãe e da criança foram analisados de forma conjunta através de análise de componentes principais, que resultou em cinco dimensões, cada uma incluindo comportamentos ligados à higiene, ao consumo de açúcares, cuidados preventivos, consumo de frutas/verduras e consumo de guloseimas. Filhos de mães com maior escolaridade e melhor nível econômico apresentaram maiores escores de comportamentos saudáveis relacionados à saúde bucal como maior consumo de frutas/verduras, melhor higiene e cuidados preventivos e menores escores de consumo de açúcar e guloseimas. Três destas dimensões de comportamentos estudadas, independentemente das variáveis socioeconômicas e demográficas, apresentaram associação com a cárie dentária entre crianças aos cinco anos de idade. Crianças que apresentaram maior escore de higiene, de cuidados preventivos e menor escore de consumo de açúcar apresentaram uma média de cárie dentária equivalente a 1/5 da média do grupo no tercil inferior do escore de higiene e no tercil superior de consumo de açúcares. Menor escolaridade e menor nível econômico também estiveram associados com menor utilização de serviços odontológicos. Para elevar a taxa de uso dos serviços odontológicos por motivos de prevenção e reduzir as desigualdades relacionadas à cárie dentária é necessário aumentar o domínio das mães sobre o conhecimento relacionado ao processo saúde doença bucal e das práticas saudáveis em saúde bucal. Para conseguir esse enfrentamento é necessário a implementação de políticas públicas de promoção de saúde efetivas.