Sexo é uma variável fundamental para análises de mortalidade e, em geral, as taxas são maiores para meninos do que para meninas. No entanto, a discriminação de gênero pode mudar essa relação, por exemplo, através de práticas alimentares inadequadas e menor procura de cuidados de saúde para meninas que podem refletir em sua maior mortalidade. Os objetivos desta tese foram: (I) explorar religião como um dos possíveis determinantes culturais do cuidado diferencial de crianças; (II) analisar quais os fatores associados a viés de gênero na mortalidade de menores de cinco anos; e (III) descrever as metodologias utilizadas por outros estudos para análise das diferenças de sexo na mortalidade de crianças. Foram produzidos dois artigos analíticos baseados em dados de inquéritos populacionais de países de baixa e média renda (Demographic and Health Surveys e Multiple Indicator Cluster Surveys) e uma revisão de literatura. No primeiro artigo foram utilizados dados de 15 países da África subsaariana (2010-2016). As proporções de crianças que receberam imunização completa com as quatro vacinas básicas (BCG, Polio, DPT e sarampo) e daquelas que não receberam nenhuma dose foram analisadas de acordo com a religião materna e sexo da criança utilizando-se modelos de regressão de Poisson brutos com ajuste para fatores socioeconômicos. Em sete países, a imunização completa foi significativamente menor entre muçulmanos em relação aos cristãos na análise ajustada (razão de prevalência combinada = 0,90 (IC95% 0,87;0,92)]. Em relação às crianças não vacinadas, seis países apresentaram proporções mais altas entre os muçulmanos [RP ajustada = 1,31 (1,14;1,48)]. Sexo não esteve consistentemente associado com vacinação. Para as análises de mortalidade diferencial por sexo foram utilizados dados de 80 países (2010-2018). Os resíduos da associação entre razão de sexo na mortalidade e mortalidade total foram derivados de um modelo de regressão linear, sendo resíduos negativos sugestivos de discriminação contra meninas. Associações entre estes resíduos e indicadores de desenvolvimento nacional, de desigualdade de gênero e de saúde infantil, foram avaliadas através da correlação de Spearman. Foi encontrada mortalidade de meninas acima do esperado em países onde também houve evidência de viés de gênero na procura de cuidados de saúde [rho = -0,24; (- 0,45; -0,01)]. A revisão de literatura nos permitiu analisar 154 publicações. Em sua maioria, os estudos focaram em países da Ásia e na mortalidade infantil, e não ajustaram para a mortalidade geral em suas análises. As publicações foram caracterizadas como: estudos de referência (n=14) quando estimavam as diferenças esperadas com base na experiência demográfica de populações selecionadas; estudos comparativos (n=21) que usaram principalmente tábuas de vida de populações europeias como padrão; e estudos narrativos (n=119) que não usaram valores de referência, limitando-se a relatar as estimativas observadas. Estudos com essa perspectiva são importantes para detecção de desigualdades e de práticas discriminatórias e seus determinantes, podendo auxiliar na eliminação das iniquidades de gênero na sobrevivência infantil.