Abusos físicos, sexuais e emocionais, bem como a negligência cometida contra crianças e adolescentes, antes dos 18 anos, são considerados maus-tratos infantis e podem afetar a saúde e o bem-estar não somente no momento que ocorrem, bem como ao longo da vida. Os maus-tratos infantis têm sido associados à adoção de comportamentos de risco à saúde, desenvolvimento de transtornos mentais e menor escolaridade. Nesta tese, composta por projeto de pesquisa, relatório de trabalho de campo e três artigos, o objetivo foi avaliar a relação entre maus-tratos infantis ocorridos até 15 anos sobre o comportamento sexual de risco e o capital humano no início da vida adulta (18 e 22 anos). No primeiro artigo, a literatura sobre maus-tratos infantis e comportamentos sexuais de risco na vida adulta foi sistematicamente revisada e verificou-se que os maus-tratos infantis influenciam negativamente os comportamentos sexuais de risco na vida adulta. A maioria dos artigos encontrados foram conduzidos em países de alta renda e grande parte deles avaliou maus-tratos infantis de maneira isolada, sem considerar a coocorrência, ou estudou apenas o abuso sexual como exposição. Além da revisão, dois artigos originais foram escritos com dados da Coorte de Nascimentos de 1993 de Pelotas e analisaram: a) Artigo 2 – a associação entre maus-tratos infantis (até os 15 anos) e comportamentos sexuais de risco (início sexual precoce e múltiplos parceiros sexuais) no início da vida adulta (22 anos), investigando possíveis mecanismos envolvidos nessa relação; b) Artigo 3 – a associação entre maus-tratos infantis (até 15 anos) e o capital humano (quociente de inteligência aos 18 anos e escolaridade aos 22 anos). Em ambos os artigos, o abuso (físico e emocional) e a negligência física foram avaliados como maus-tratos infantis e as análises foram estratificadas por sexo. No artigo 2, o abuso sexual também foi avaliado como exposição e, foi realizada uma análise longitudinal com dados dos acompanhamentos realizados aos 15, 18 e 22 anos de idade, com uma 8 amostra de 2.674 indivíduos. Observou-se que, a exposição aos maus-tratos na infância, especialmente abuso sexual e emocional, de maneira isolada ou coocorrendo simultaneamente com outras formas de maus-tratos, estiveram associados ao início sexual precoce somente para as mulheres. Entre o sexo masculino não foi encontrado efeito para os desfechos estudados. A ausência de efeito pode ser explicada pela alta carga de mediação da evasão escolar (53%) entre negligência física e múltiplos parceiros sexuais e do uso prejudicial de álcool (39,1%) no efeito do abuso físico em ter múltiplos parceiros sexuais. O terceiro artigo, também utilizou dados dos acompanhamentos do perinatal, 15, 18 e 22 anos de idade, com amostra final de 3.736 e 3.413 participantes, conforme dados disponíveis para as exposições e desfechos. O principal achado demonstrou que mulheres que sofreram negligência física na infância apresentaram menor QI aos 18 anos (β: -4,17 IC95% -6,99; -1,35). Além disso, mulheres que vivenciaram negligência física antes dos 15 anos de idade concluíram, em média, um ano a menos de estudos aos 22 anos. Menor escolaridade também foi observada nas mulheres expostas a dois ou mais tipos de maus-tratos simultaneamente (-0,56 anos de estudo, em média). As intervenções e os esforços para reduzir a ocorrência de comportamentos sexuais de risco e aumentar o acúmulo de capital humano no início da idade adulta devem incluir estratégias para a prevenção dos maus-tratos infantis em todas suas formas.