No olho humano, a percepção visual depende da organização entre diferentes funções visuais, tais como: acuidade visual/erros refrativos, funções acomodativas e binoculares, visão de cores, sensibilidade ao contraste e iluminação, campo visual, oculomotricidade, dentre outros (Bouska, 1991, Goldstand, 2005, Toglia, 1989, Warren, 1993) (Kulp, 1996). A percepção visual adequada é fundamental durante todo o processo de aprendizagem dos conteúdos que fazem parte do ensino formal, principalmente nas séries iniciais, quando as crianças começam a desenvolver as habilidades de leitura e escrita. Portanto, a avaliação das funções visuais é de extrema relevância nessa faixa etária. Nos escolares, os testes clínicos de função visual são direcionados em especial para a avaliação de perda visual significativa, em um ou ambos os olhos, causada, principalmente, pelas altas ametropias (hipermetropia, miopia, astigmatismo) ou pelos desvios oculares acentuados (estrabismo), visto que levam à supressão ou diminuição da capacidade visual, por falta de estímulo sensorial (ambliopia). Menor ênfase é dada a outros parâmetros visuais, como as funções acomodativas (amplitude acomodativa, flexibilidade acomodativa, acomodação residual) e binoculares (estudo das vergências, estereopsia, convergência acomodativa). A negligência na avaliação das funções refrativas, acomodativas e binoculares ocorre apesar da ênfase que a literatura científica denota, ao evidenciar que as alterações nestas funções têm um efeito negativo sobre o desempenho escolar geral, desempenho na leitura e conforto visual (Jimenez, 2003) (Grisham, 1993, Shin, 2009). Disfunções acomodativas e binoculares podem levar a criança a experienciar frustrações desnecessárias (Chrousos, 1988, Motsch, 2000, Sterner, 2004, Sterner, 2006) e a desistir das atividades que necessitem de boa visão para perto, contribuindo para uma baixa autoestima (Castanes, 2003) (Garzia, 1994). Além disso, há evidências de que as disfunções acomodativas e binoculares são alterações bastante prevalentes na população de estudantes (Marran, 2006) (Scheiman, 1996) (Borsting, 2003). Os estudos na área oftalmológica frequentemente envolvem amostras pequenas e/ou populações específicas, como as ambulatoriais ou com queixas, além de usar pontos de corte distintos para classificar as diferentes disfunções visuais, dificultando o estabelecimento do perfil de função visual em escolares. E, mesmo entre os estudos que se assemelham em sua metodologia, existe grande variabilidade entre as prevalências de perda visual e entre as prevalências dos diferentes erros refrativos, indicando a necessidade de mais estudos, para melhor descrever as funções visuais nas diferentes populações. No Brasil, destaca-se somente o estudo de Salomão sobre a prevalência das principais ametropias entre estudantes, mas sem identificar a ocorrência de disfunções acomodativas e/ou binoculares. (Salomão, 2008) Tratando-se de fatores demográficos e socioeconômicos, a idade tem uma relação direta com o aparecimento ou progressão da miopia e de algumas disfunções acomodativas e binoculares (Czepita, 2007, Goh, 2005, Hashemi, 2004, He, 2004, Khader, 2006, Mantyjarvi, 1983, Maul, 2000, Murthy, 2002, Naidoo, 2003, Robinson, 1999, Scheiman, 1996, Twelker, 2009, Zhao, 2000). As meninas apresentam mais ametropias do que os meninos (Alam, 2008, He, 2004, Maul, 2000, Murthy, 2002, Zhao, 2000), embora não haja evidências de base populacional de que o sexo feminino possa desenvolver mais disfunções acomodativas e binoculares. Somente em um estudo, que utilizou população específica, é que se constatou que meninas apresentam maior chance de excesso de acomodação e convergência do que meninos (Scheiman, 1996). Não existe consenso sobre o papel da cor da pele na prevalência dos erros refrativos, mas, com relação à etnia, existem evidências de que a população asiática (oriental) apresenta uma frequência aumentada de miopia, com relação à população ocidental (Goh, 2005, He, 2004, He, 2008, Zhao, 2000). Também existem diferenças significativas na prevalência de erros refrativos entre afro-americanos e hispânicos (Kleinstein, 2003, MEPEDS). O impacto do nível socioeconômico e da escolaridade dos pais sobre a função visual é pouco conhecido na literatura científica. A aquisição de correção ocular para melhorar a acuidade visual e proporcionar um desenvolvimento adequado da via visual é um dos poucos fatores altamente influenciados pela renda familiar e que impacta positivamente no tratamento da ambliopia em crianças, principalmente, pré-escolares ou aquelas matriculadas nas séries iniciais. Outro fator relacionado ao nível socioeconômico é o acesso geral às consultas oftalmológicas e ao tratamento cirúrgico de pequenos ou grandes desvios oculares, provocados pelo desequilíbrio da musculatura extraocular (estrabismo). Estudos apontam para um aumento da miopia nas crianças de nível econômico mais alto, que pode estar relacionado à exposição a ambientes miopiogênicos, como o maior acesso a livros e eletrônicos (Dandona, 1999, Saad, 2007). Alguns estudos sobre fatores específicos do ambiente escolar e familiar (trabalhos em sala de aula, hábito de leitura, uso de computador, horários específicos de estudo etc.) dentre outras atividades que requerem um esforço contínuo dos olhos para focar perto, evidenciaram associações com miopia, enquanto em outros esta associação não aparece (Dandona, 1999, Ip, 2008, Khader, 2006, Lithander, 1999, Murthy, 2002, Naidoo, 2003, Robaei, 2005). Além disso, não existem estudos sobre os determinantes de disfunções acomodativas e binoculares. O impacto das funções visuais sobre o desempenho escolar do estudante no ensino fundamental, representado pela nota, repetência, adequação série/idade e desempenho na leitura, não é conhecido em âmbito nacional. Além disso, não existe consenso sobre o ponto de corte, a partir do qual o estudante necessita usar correção ocular (óculos), para compensar uma ou mais funções visuais deficientes, como é o caso da hipermetropia leve, da insuficiência acomodativa ou do excesso de convergência (Cotter, 2007, Palomo-Alvarez, 2008, Palomo-Alvarez, 2010, Rosner, 1997). O presente estudo tem grande relevância para a saúde pública, porque fará um exame em profundidade da função visual em uma amostra grande, permitindo o estabelecimento da ocorrência das diversas disfunções visuais e seus determinantes. Além disso, será investigado o impacto destas disfunções no desempenho escolar de estudantes do ensino fundamental, contribuindo para a avaliação dos critérios utilizados para a prescrição de óculos nesta faixa etária. Este estudo contribuirá para a criação da linha de pesquisa em Epidemiologia Oftalmológica, na Universidade Federal de Pelotas.