Estudos têm demonstrado o efeito das condições socioeconômicas na cárie dentária nas diferentes faixas etárias. Entretanto, por falta de dados longitudinais poucos estudos conseguem monitorar a prevalência de cárie não tratada em diferentes períodos em uma mesma população, ou avaliar a mobilidade social, que é a capacidade dos indivíduos ou de suas famílias de melhorarem a sua condição socioeconômica ao longo do tempo, e a sua influência na ocorrência de cárie não tratada na primeira infância. Vários fatores podem influenciar uma mobilidade social ascendente/descendente, incluindo o acesso a uma educação de qualidade, oportunidades de emprego, redes sociais de apoio, condições econômicas prévias, políticas públicas, discriminação e preconceito. Uma mobilidade ascendente pode conduzir a melhores resultados em termos de saúde bucal, assim como uma mobilidade limitada ou descendente podem resultar em acesso reduzido a cuidados de saúde bucal de qualidade perpetuando assim desigualdade socioeconômicas em saúde bucal. Com isso, o objetivo desse trabalho foi avaliar a influência das desigualdades socioeconômicas e da mobilidade social familiar na ocorrência de cárie dentária não tratada aos 48 meses nas crianças da coorte de nascimentos Pelotas de 2015. O primeiro artigo da tese é uma revisão sistemática da literatura avaliando a disponibilidade de dados sobre as disparidades socioeconômicas e étnicoraciais na cárie dentária infantil não tratada usando inquéritos nacionais de saúde bucal. Dois artigos originais foram desenvolvidos com dados coletados nas coortes de 1982, 1993, 2004 e 2015. O desfecho dos artigos originais é a cárie dentária não tratada. Foram utilizados dados de saúde bucal aos 48 meses da coorte de 2015, aos 5 anos da coorte de 2004 e aos 6 anos da coorte de 1993. Para as exposições foram utilizados dados referentes a renda familiar, escolaridade materna e raça/cor da pele materna nos acompanhamentos do perinatal e 48 meses. Para composição da variável mobilidade social foram utilizados dados socioeconômicos e étnico-raciais do perinatal das mães da coorte de 2015 pertencentes as coortes de 1982 e 1993. Os exames de saúde bucal foram realizados por cirurgiões-dentistas treinados e calibrados utilizando o índice CPO-D (Dentes Cariados, Perdidos e Restaurados) nas coortes 1993 e 2004; e o ICDAS (International Caries Detection and Assessment System) na coorte de 2015. As análises estatísticas realizadas foram o índice absoluto de desigualdade (slope index of inequality-SII), índice de concentração (concentration index-CIX) e modelos de Regressão de Poisson com razões de prevalência (RP). A prevalência de cárie não tratada na dentição decídua foi de 63,4%, 45,5% e 15,6%, nas coortes de 1993, 2004 e 2015, respectivamente. Observou-se uma maior prevalência de cárie dentária não tratada concentrada entre as crianças mais desfavorecidas socioeconomicamente e com mães autodeclaradas com cor da pele Preta/Parda. Também se observou maior prevalência de cárie dentária não tratada nas crianças pertencentes a famílias persistentemente em pior condição socioeconômica, ou que as mães apresentaram alguma mobilidade social do perinatal até os quatro anos em comparação as crianças que sempre estiveram em alto nível socioeconômico. Além disso, observou-se maior prevalência de cárie não tratada nas crianças filhas de mães autodeclaradas Pretas/Pardas independente do grupo de renda, escolaridade ou mobilidade social dessas mães. Com nossos resultados foi possível analisar que apesar de existirem políticas públicas voltadas a saúde bucal a nível nacional, regional e local, uma desigualdade em saúde bucal persiste ao longo dos anos, assim como a concentração de pior condição de saúde bucal na dentição decídua para as crianças que apresentaram algum período de vulnerabilidade econômica na infância.