O adequado desenvolvimento na primeira infância é fundamental para o bem estar ao longo da vida. Dar suporte a todas as crianças para que alcancem o pleno desenvolvimento é chave para romper ciclos de desigualdades evitáveis em saúde física e mental, escolaridade e renda na idade adulta. Ensaios clínicos randomizados demonstraram o sucesso de intervenções com visitas domiciliares no suporte ao desenvolvimento infantil nos primeiros anos de vida, nos quais há elevada plasticidade cerebral. Porém, a efetividade destes programas em larga-escala em condições de vida real depende da qualidade de sua implementação: fidelidade ao conteúdo, adequada dosagem entregue e foco nas famílias mais vulneráveis. Implementado desde 2003 no estado do Rio Grande do Sul – Brasil, o programa Primeira Infância Melhor (PIM) emprega visitas domiciliares semanais, idealmente da gestação até os 4 anos de idade, para apoiar famílias socialmente vulneráveis na promoção de oportunidades de aprendizado precoce e de cuidado responsivo. O programa também busca promover a integração com serviços de saúde e sociais. Embora o PIM tenha atendido mais de 250.000 crianças até o momento, há limitadas evidências de estudos de avaliação de seu impacto. Nós conduzimos um estudo quase-experimental do impacto do PIM por meio da vinculação de dados do Sistema de Informação do PIM e da Coorte de Nascimentos de Pelotas de 2015, identificando crianças que receberam o programa na cidade de Pelotas e informações relevantes acerca de sua implementação. O primeiro objetivo da tese foi avaliar o efeito sobre o desenvolvimento na primeira infância, medido com o inventário de desenvolvimento Battelle (versão de rastreamento) aos 4 anos de idade. Usando pareamento por escore de propensão para construção de grupo controle com características pré-intervenção similares às do grupo de crianças que recebeu o PIM, não foi encontrado efeito para o grupo PIM como um todo. No entanto, para o subgrupo que ingressou no PIM durante a gestação, houve uma diminuição na prevalência de baixo escore de desenvolvimento – 60% de redução (RP = 0,40; IC 95% 0,18 a 0,89). O segundo objetivo foi avaliar efeitos do PIM sobre o uso de serviços de saúde preventivos (consultas de pré-natal, consultas pós-natais de monitoramento, visita ao dentista e vacinação) e de recuperação (atendimentos de urgência e hospitalizações) até os dois anos de idade. Baseado em análises com escore de propensão, não foram encontradas evidências de efeito sobre nenhum desfecho ocorrido após o nascimento. Foi encontrado um efeito do PIM sobre a realização de número adequado de consultas de pré-natal – 13% de aumento (PR = 1,13; IC 95% 1,01 to 1,27). Análise de sensibilidade sugeriu que este efeito sobre uso de serviço preventivo durante a gestação foi potencializado por duração mais longa da intervenção com menor rotatividade de visitadores. O terceiro objetivo foi examinar a disponibilidade de fortes preditores do desenvolvimento infantil para rastreamento de gestantes na Atenção Primária à Saúde, visando identificar famílias para inclusão no PIM. O desfecho foi medido com o inventário de desenvolvimento Battelle (versão de rastreamento) aos 4 anos de idade. Usando método de árvore de inferência condicional, a escolaridade materna e a escolaridade paterna foram identificadas como os mais fortes preditores, de forma consistente com duas análises exploratórias complementares. Porém, a capacidade destes dois preditores, em conjunto, de explicar a variância do desfecho, e seu poder discriminatório, foram baixos (R-quadrado ajustado = 5,3%; área sob a curva ROC = 0,62, IC 95% 0,60 a 0,64). Ambos os preditores apresentaram associações lineares com o desfecho, permitindo a geração de um escore de vulnerabilidade para baixo desenvolvimento infantil. Com base em tal escore, para famílias do decil mais vulnerável a cobertura do PIM (com início na gestação) foi baixa, mas seu foco foi adequado, em especial dentre famílias que receberam o PIM por 12 meses ou mais, indicando que maior dosagem foi entregue para quem mais necessitava. Em conclusão, benefícios do PIM para desenvolvimento infantil e uso de serviços de saúde foram identificados somente dentre crianças para as quais o PIM iniciou durante a gestação, o que apontou a necessidade de desenvolver estratégias para inclusão de mais mulheres gestantes de famílias com menores escolaridades materna e paterna, fatores mais relevantes durante a gestação para o futuro desenvolvimento infantil.