Coortes são estudos conhecidos também como longitudinais, que se baseiam na identificação de um grupo de indivíduos e no seu acompanhamento por um período de tempo. O termo coorte foi criado para denominar os grupos de soldados que marchavam juntos nas legiões romanas no período do Império.
Em primeiro de janeiro de 1982, iniciou em Pelotas o primeiro grande estudo epidemiológico do Brasil. Os jovens médicos Fernando Barros e Cesar Victora foram responsáveis por desenvolver um tipo de pesquisa que só era realizado em países da Europa e nos Estados Unidos, devido à dificuldade no acompanhamento dos pesquisados e ao alto custo.
O estudo denominado Coorte de 1982 trata-se do acompanhamento de todas as crianças nascidas em hospitais de Pelotas durante esse ano. Ao todo foram registrados 5.914 nascidos vivos, cujas mães residiam em domicílios urbanos. O objetivo da pesquisa, na época, era avaliar a influência que os fatores inerentes ao período do nascimento da criança mantinham em relação a sua saúde na infância. Esses fatores incluíam, entre outros, as condições de saúde da mãe e do bebê, o peso ao nascer, a alimentação, as condições ambientais em que a família vivia (saneamento e habitação) e a qualidade da assistência médica a que a criança estava sujeita.
A hipótese central do estudo baseava-se em que a saúde das crianças de um país com tantas desigualdades, como o Brasil, deveria apoiar-se no entendimento da realidade social.
Esse trabalho pioneiro foi tão bem aceito pela comunidade científica, que no ano seguinte ao seu início, a Organização Mundial de Saúde (OMS) concedeu financiamento para a realização do primeiro acompanhamento após o nascimento. Depois desse apoio, várias organizações internacionais interessaram-se pelo projeto. A Coorte de 1982 tornou-se referência mundial e agregou importantes pesquisadores de diversas áreas da saúde.
Com tanto interesse dos diversos segmentos da ciência mundial, o estudo da Coorte de 1982 foi além de suas expectativas iniciais de investigação da saúde da criança. Os nascidos em Pelotas em 1982 continuaram sendo acompanhados até os dias de hoje. A investigação, agora, ampliou-se para a avaliação sobre a influência que os fatores inerentes ao nascimento mantêm na saúde do adolescente e do adulto.
Em algum momento, durante a realização das primeiras visitas à Coorte de 1982, os pesquisadores planejaram iniciar um novo estudo de coorte de nascimentos. O objetivo central era permitir a comparação das tendências temporais das características da população materno-infantil e dos principais indicadores de saúde. Com financiamento da Comunidade Econômica Européia, o novo estudo viabilizou-se para iniciar em 1993. E assim, como o primeiro estudo, a Coorte de 1993 vem acompanhando todos os nascidos nesse ano em Pelotas até os dias de hoje.
A fim de conhecer a história natural das populações e descobrir o que muda com o tempo, surgiu mais uma coorte de nascimento em 2004, mesmo período de distância da primeira para a segunda coorte.
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1982
Idade: recém-nascidos
Público-alvo: todos os nascidos vivos nas maternidades de Pelotas
1983
Idade: um ano
Público-alvo: todas as crianças nascidas entre janeiro e abril de 1982
1984
Idade: dois anos
Público-alvo: todas as crianças da Coorte de 1982
1986
Idade: três anos e meio
Público-alvo: todas as crianças da Coorte de 1982
1995
Idade: 13 anos
Público-alvo: 20% dos participantes da Coorte de 1982
1997
Idade: 15 anos
Público-alvo: 27% dos participantes da Coorte de 1982
2000
Idade: 18 anos
Público-alvo: todos os jovens do sexo masculino participantes da Coorte de 1982
2001
Idade: 19 anos
Público-alvo: 27% dos participantes da Coorte de 1982
2004
Idade: 22 anos
Público-alvo: todos os participantes da Coorte de 1982
2012
Idade: 30 anos
Público-alvo: todos os participantes da Coorte de 1982
2022
Idade: 40 anos
Público-alvo: alvo: todos os participantes da Coorte de 1982
Os participantes da Coorte de 1982 e suas famílias foram muito importantes para a construção da história da ciência da saúde do Brasil e do mundo. Através da boa-vontade dessas pessoas, a comunidade científica obteve informações sobre os recém-nascidos que até mesmo os órgãos oficiais desconheciam. Um exemplo disso é o número de nascimentos. Em 1982 a Secretaria de Saúde do Município de Pelotas registrou 562 nascimentos a menos do que o total identificado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas (CPE). Os números da mortalidade infantil também apresentaram grande diferença.
O Centro de Pesquisas Epidemiológicas é muito grato pela colaboração de milhares de mães que pouco depois do parto se dispuseram a responder dezenas de perguntas aos pesquisadores, além de permitir que seus bebês recém-nascidos fossem submetidos a exames de medidas e pesagens.
Mais do que a colaboração que deram aos pesquisadores no hospital, essas mães concederam seus endereços e, sem nenhum benefício imediato, abriram suas portas dezenas de vezes, durante décadas, para que os pesquisadores acompanhassem o desenvolvimento de seus filhos.
Todo o tempo despendido pelas mães e pelos próprios participantes, e todo o trabalho que os pesquisadores tiveram para encontrar essas quase seis mil famílias durante três décadas, é hoje recompensado pelo conhecimento científico que está à disposição da população.
A coorte das crianças nascidas em Pelotas em 1982 trata-se do maior estudo longitudinal epidemiológico realizado em países da América Latina. O estudo foi realizado em etapas, sendo a primeira denominada Estudo Perinatal em que foram identificados todos os nascidos em hospitais da cidade, de janeiro a dezembro de 1982. Foram registrados 7.392 nascimentos, no entanto, a pesquisa previa focar-se apenas nos nascidos vivos cujas mães residiam na zona urbana da cidade. Essa delimitação levou ao número de 5.914 crianças aptas a participar do estudo.
Acompanhamentos
Durante todo o ano de 82, médicos da equipe de pesquisa visitaram diariamente as três maternidades da cidade a fim de entrevistar as mães que haviam dado à luz e examinar os recém-nascidos. As mães eram entrevistadas a respeito de uma série de fatores biológicos; demográficos; socioeconômicos e assistenciais. Os dados do recém-nascido incluíam sexo, gestação única ou de gêmeos, idade gestacional, morbidade e mortalidade perinatal e tipo de parto. As mães eram pesadas e medidas antes do parto, e os bebês eram pesados logo após o nascimento. A equipe que realizou esse trabalho foi previamente treinada em um estudo-piloto.
Após essa fase de identificação, diversos acompanhamentos foram realizados através de visitas domiciliares.
1983 – Foi realizado acompanhamento das crianças nascidas entre janeiro e abril de 1982, cuja idade média era de 12 meses. Nesse momento, foram utilizados os dados cadastrais informados pelas mães no hospital. Das 1.916 crianças procuradas, 1.457 foram localizadas, o que representou uma perda de 20%. Neste acompanhamento, as crianças foram pesadas e medidas. E suas mães ou responsáveis foram entrevistados sobre suas características socioeconômicas, ambientais, demográficas e relativas à dieta, à morbidade hospitalar e à utilização dos serviços de saúde.
1984 – Foi realizado um censo de todos os 68.590 domicílios da cidade a fim encontrar todas as crianças nascidas em 1982. A iniciativa tinha o objetivo de reduzir a perda de 20% ocorrida em 1983. Este acompanhamento localizou 4.933 crianças, registrando a perda de 12,8%. Através do censo foi possível saber que 45% das famílias haviam trocado de endereço dentro da cidade desde o primeiro contato, há dois anos. Neste segundo acompanhamento, as crianças foram novamente medidas e pesadas e suas mães, entrevistadas. Além dos questionamentos feitos no acompanhamento anterior, os pesquisadores colheram informações sobre algumas doenças comuns e desenvolvimento psicomotor da criança. Ainda, coletaram dados sobre a saúde da mãe. Todos esses dados foram ligados às informações já obtidas no estudo perinatal e no primeiro acompanhamento.
1986 – Foi realizado novo censo em todos os domicílios da cidade. O trabalho de campo durou de dezembro de 1985 a abril de 1986 e a idade média das crianças era de 43 meses. Foram localizadas 4.742 crianças, representando 84,1% do total dos pesquisados. Novamente foram colhidas variáveis socioeconômicas, demográficas, ambientais e alimentares. Entre as novidades deste acompanhamento houve uma breve entrevista com as próprias crianças.
1995 – Foi realizado acompanhamento com 20% da coorte. O método de localização utilizado foi o registro do último acompanhamento. Foram encontrados 715 pesquisados, que estavam com a idade média de 13 anos.
1996 – Foi realizado acompanhamento com 27% da coorte. Foram procurados 1.597 adolescentes, mas foram localizados 1.076. A idade média dos pesquisados era de 14,7 anos.
1997 a 2001 – Foi realizado estudo etnográfico com 96 jovens da coorte, de 15 a 19 anos de idade.
2000 – Foi realizado acompanhamento com todos os jovens do sexo masculino. A identificação dos pesquisados foi realizada por meio do serviço de alistamento militar. Eram esperados 3.037 jovens, mas foram encontrados 2.250, o que se acredita ser o total dos rapazes da coorte que moravam na cidade na época. Neste acompanhamento foram realizados questionários sobre as condições socioeconômicas atuais, hábitos de vida (tabagismo, drogas e atividade física), alimentação, trabalho, morbidade, escolaridade, consumo de medicação, sexualidade, saúde mental e utilização de serviços de saúde. A partir desses dados foi possível avaliar a relação das doenças respiratórias com o baixo peso ao nascer e com o retardo de crescimento intrauterino.
2001 – Foi realizado estudo com 27% da coorte, quando se entrevistou 1.031 jovens com idade média de 18,9 anos.
2004-05 – Foi realizado censo de 98 mil domicílios de Pelotas com objetivo de encontrar todos os participantes da coorte. Foram encontrados 4.297 jovens com idade média de 22,8 anos. Neste acompanhamento foram identificados 282 óbitos desde o nascimento. Além dos questionários padrão, nesta fase houve a coleta de sangue de 3.914 indivíduos (91,1%). A partir dessa iniciativa criou-se o banco de DNA da Coorte de 1982.
O detalhamento do estudo de Coorte de 1982 está registrado em centenas de artigos científicos produzidos pelos pesquisadores do Centro de Pesquisas Epidemiológicas (CPE) e por alunos do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da UFPel. Confira alguns desses artigos que estão disponíveis em revistas de acesso livre.
Os instrumentos e questionário utilizados nos principais acompanhamentos e subestudos estão à disposição da comunidade científica.
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