Nas últimas décadas tem ocorrido um notável aumento dos sintomas de depressão e ansiedade em todo o mundo, com maiores prevalências em países de baixa e média renda. No ano de 2017, cerca de 6% da população no Brasil sofria de transtornos depressivos e 9% de transtornos de ansiedade, sendo estimado um aumento expressivo nestas taxas em decorrência da atual pandemia de COVID-19. Os transtornos mentais comuns, caracterizados por sintomas de ansiedade, depressão e queixas somáticas inespecíficas, causam inúmeros prejuízos na vida dos indivíduos e ao seu entorno, e são um dos principais contribuintes para a carga global de doenças e de anos de vida vividos com incapacidade. Uma das formas de transtornos mentais bastante frequente e que podem acarretar consequências importantes ao longo da vida é a depressão materna. Estudos têm mostrado que mulheres que manifestam tais transtornos no período perinatal e durante a infância dos filhos apresentam maior risco de desenvolver problemas relacionados à interação mãe-filho, com repercussões negativas em sua saúde física e mental. Com o aumento exponencial das taxas de sobrepeso e obesidade infantil, surgiu a necessidade de investigar suas causas, incluindo a relação com os transtornos mentais dos pais. As evidências avaliando a relação entre transtornos mentais maternos e estado nutricional dos filhos apresentaram resultados heterogêneos, com associações variando de acordo com a metodologia empregada e o contexto estudado. Com relação à influência genealógica dos transtornos mentais, está bem estabelecida na literatura a repercussão da saúde mental materna sobre a dos filhos, porém pouco se sabe sobre as implicações paternas e dos avós sobre a saúde mental dos seus descendentes, particularmente em países com desigualdade social. Esta tese, portanto, teve como finalidade estudar, na população acompanhada pela Coorte de Nascimentos de 1993 (C93), a relação entre os transtornos mentais comuns (TMC) das mães, pais e avós sobre o excesso de peso e problemas emocionais e comportamentais das crianças durante sua infância. Para isso, foi elaborado um projeto de pesquisa e três artigos avaliando essas associações. O primeiro deles trata-se de uma revisão sistemática, onde analisaram-se as evidências existentes entre os TMCs maternos, especialmente depressão e ansiedade, e o excesso de peso de seus filhos. Foram encontrados poucos trabalhos nesta temática, a maior parte em países de alta renda. Foi mostrada associação significativa em metade deles, apontando-se como mediadores a qualidade das interações mãe-filho e dos cuidados maternos, além de indicar a cronicidade dos sintomas depressivos maternos como um possível contribuinte para o sobrepeso da prole. O segundo artigo investigou a associação entre os TMCs das mães pertencentes à C93 aos 18 e 22 anos e o Índice de Massa Corporal (IMC) de seus filhos entre zero e dez anos. As prevalências de TMC materno aos 18 e aos 22 anos foram de 39,9% e 25,2% respectivamente, e 15,8% de sobrepeso infantil. As análises estatísticas mostraram um menor IMC nos filhos quando a mãe apresentou um ou dois episódios de TMC em relação às não sintomáticas, porém estes resultados não foram significativos após o ajuste para fatores de confusão. O terceiro avaliou a intergeracionalidade da saúde mental entre três gerações: TMCs nas mães dos membros da C93 (G1); TMCs nos membros C93 que eram pais aos 22 anos (G2) e problemas emocionais e comportamentais de seus filhos (G3). O estudo encontrou prevalências de TMCs de 39,4% na G1 e de 22,6% na G2, enquanto as crianças apresentaram 39,9% de problemas de internalização e 29,8% de problemas de externalização. As análises ajustadas demostraram associação significativa tanto para as avós maternas (G1) e netos (G3) quanto para as mães (G2) e filhos (G3), com os TMCs das mães G2 atuando como possíveis mediadores da relação ente G1 e G3. Os TMCs tanto das avós paternas quanto dos pais não se mostraram associados aos problemas de internalização e externalização da G3. O papel das avós e mães como cuidadoras e conselheiras no cuidado com a prole podem explicar em parte as associações observadas, sobretudo no contexto estudado.