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Sala de Imprensa

26/05/2021

Defesa de Dissertação

Título: Vitimização por violência urbana entre adultos: tendências temporais e fatores associados

Banca: Prof. Wagner Silva Ribeiro e Prof.ª Helen Gonçalves

 Orientador: Prof. Joseph Murray

Co-ocorrência de maus tratos e outras formas de violência experienciada no início da vida pode acumular problemas para vítimas

 

Sofrer algum tipo de violência ao longo da vida é, de fato, uma realidade comum na população, especialmente no Brasil, exigindo uma grande demanda no sistema da saúde. Diversos profissionais da área já se depararam com o atendimento a pessoas portadoras de algum mal-estar inespecífico, seja uma patologia física, um transtorno mental ou ambos em conjunto, que possui ligação com fatores estressores importantes na história de vida dos seus pacientes. Maus tratos na infância e/ou adolescência, indícios da deficiência severa do cuidado parental gera altos níveis de estresse e comprometimento do desenvolvimento infanto-juvenil e da saúde futura, manifestos na redução significativa da qualidade de vida e perda de desempenho profissional. 

A primeira recomendação do relatório mundial sobre violência e saúde da OMS, ainda em 1996, é de que se promovam pesquisas sobre a violência como uma prioridade dentro da saúde pública. Além disso, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável prevê, em seus objetivos, paz, justiça e instituições eficazes, igualdade de gênero, saúde e bem-estar a todos e em todas as idades, incluindo novamente a tomada de medidas contra a violência. 

Considerando a relevância da violência em fases precoces da vida e sua coocorrência, a psiquiatra Eveline Bordignon, mestranda do Programa de Pós-graduação em Epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas, realizou sob orientação do Prof. Dr. Joseph Murray e co-orientação da Dra. Vanessa Iribarrem Avena Miranda um estudo para avaliar maus tratos na infância e vitimização comunitária e familiar aos 22 anos numa Coorte de Nascimento Brasileira, sua coocorrência, bem como fatores maternos, demográficos, socioeconômicos e problemas com álcool e saúde mental das vítimas. 

O estudo foi realizado entre novembro de 2020 a abril de 2021, com dados de 3463 membros da Coorte de 1993, que identificou todos os nascidos vivos nas maternidades de Pelotas entre os dias 1º de janeiro a 31 de dezembro do referido ano e acompanhados até os 22 anos. Estudos prévios com esses mesmos dados já mostraram que a exposição aos maus tratos aos 15 anos elevou o risco de depressão aos 18 anos (Gallo, et al., 2017) e que existe uma relação entre problemas de saúde mental aos 18 anos com vitimização por assalto na comunidade (Murray, J. et.al., 2018), mas ainda não foi pesquisada a relação entre a ocorrência de mais de um tipo de vitimização (a polivitimização) na infância precoce e adolescência na saúde mental dos indivíduos no início da vida adulta e as características envolvidas nesse processo. 

Dos participantes do estudo, mais da metade (51,7%) sofreram ao menos um tipo de violência pesquisado; 40,2% sofreram maus tratos na infância, 8,4% sofreram agressão no contexto familiar e 14,2% sofreram vitimização no contexto comunitário no início da vida adulta. As meninas foram mais expostas aos maus tratos e à violência familiar na vida adulta enquanto os meninos sofreram mais violência comunitária. Os indivíduos de cor de pele branca foram os menos vitimizados que as demais categorias raciais. Aqueles cujas mães não possuíam companheiro, eram muito jovens e com o grau mínimo de estudo ao nascimento sofreram mais maus tratos e agressão no ambiente familiar. Aos 22 anos, os jovens que tinham parado de estudar e não estavam trabalhando foram justamente os que sofreram mais maus tratos na infância e agressão na família, e aqueles que sofreram mais tipos de violência apresentaram mais problemas com álcool e com saúde mental que os não vitimizados. 

A co-ocorrência de vitimização se deu em de 8,4% dos jovens que sofreram dois contextos, e 2%, três contextos. Novamente, a polivitimização foi mais marcada entre as meninas, entre os jovens de cor de pele preta, filhos de mães jovens, com menos estudo, foram os jovens mais pobres (pertencentes ao nível econômico D-E), com menos estudo, que não possuíam trabalho e novamente os mais polivitimizados foram os que mais apresentaram problemas com álcool e com saúde mental. 

Isso comprova, mais uma vez, que as condições de vulnerabilidade socioeconômica em que vivem muitas crianças e adolescentes em nosso meio são os fatores responsáveis pela manutenção do ciclo da violência ao longo dos anos, que atravessam gerações. Sobretudo, promovem o acúmulo de várias formas de violência e propiciam situações que facilitam que uma criança maltratada seja novamente agredida no âmbito da família ou exponha-se mais a eventos violentos na comunidade. 

Os achados desse estudo reforçam o prejuízo causado pelas falhas no sistema educacional, as consequências desastrosas da pobreza, da falta de condições dignas de trabalho e renda, da desigualdade racial, pois comprova que quem possui melhor educação e renda sofre menos violência em geral do que os demais. E isso vale inclusive para os filhos de mães que engravidam cedo, abandonam os estudos: seus filhos estarão em risco de ser mais expostos a condições de violência no futuro. E os mais acometidos pela violência possivelmente serão os que mais terão problemas de saúde como o alcoolismo e transtornos mentais, ainda o início da segunda década de vida, momento de definição profissional, formação de família e tantas outras escolhas importantíssimas para a vida afora desses jovens. 

Cabe aos gestores públicos um olhar muito atento ao cuidado extremo das crianças pequenas e dos adolescentes, transformado em promoção de melhorias das condições de vida às famílias mais vulneráveis, fomentando a educação, o emprego e a renda dos pais e vigiando todo o percurso do desenvolvimento infantil. Só assim haverá garantia de promoção de saúde para os adultos, acima de tudo saúde mental. 


Online - DATA:26/05/2021 - HORA:08:30hs

Apresentador: Eveline Bordignon





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